A cirurgia de transplante do coração foi desenvolvida na vigência do capitalismo e é fruto do desenvolvimento contínuo do conhecimento humano desde os primeiros tempos.
A economia de mercado também é algo que vem se desenvolvendo desde o início da humanidade, embora caracterize muito o capitalismo. A divisão de alimentos entre os membros do grupo primevo, passando pelo escambo, até chegar no mercado dinâmico atual é a trajetória de um mecanismo que evoluiu a ponto de, com os avanços da computação e da comunicação, realizar a alocação de recursos de forma cada vez mais minuciosa, com capilaridade e precisão.
Ora, se um dia saírmos do capitalismo para um outro modo de produção, deixaremos para trás os frutos do progresso contínuo do conhecimento e do capitalismo? Deixaremos para trás, por exemplo, o transplante de coração? Claro que não! Mas a economia de mercado também não!
Pois você dirá: "Só que ela é responsável pelo consumismo, o qual está acabando conosco e com o planeta. Como isso pode ser comparado ao transplante de coração em termos de benignidade?"
A explicação é delicada, mas clara. Quando se pensa em liberdade de mercado, esquece-se de que sempre existem condições de partida - o lugar onde se vende o produto, o tipo de propaganda, os impostos inclusos nos preços, a quantidade de agrotóxicos, etc. E essas condições podem ser modificadas, visando o melhor benefício (ou malefícios) para os consumidores.
É como no esporte, em que há também condições de partida, na forma de parâmetros para o livre jogo. No futebol, por exemplo, há o tamanho e o peso da bola, o tamanho do campo, a grama, o número de jogadores e várias outras regras. Conforme essas condições iniciais, o jogo pode ficar mais veloz, mais violento, mais belo, enfim.
Pois o mesmo pode acontecer com o mercado de cada produto, ou seja, modificando-se as condições iniciais, pode-se alterar o modo como o mercado se dá. Isso significa que a sociedade pode alterá-lo no sentido do desejo social. Quando o governo da Califórnia resolve diminuir drasticamente os impostos de automóveis elétricos e estabelecer um percentual do mercado para eles, ele está alterando esse mercado sem engessá-lo, o qual se estabelecerá a partir das condições postas. O caso do cigarro também mostra isso. O que a sociedade deseja em relação a esse produto? Deseja que seu consumo diminua, se possível, até desaparecer. Proibir o comércio não resolve, já se sabe. Então, o que foi feito? Proibiu-se a propaganda e exigiu-se a inclusão, nas embalagens, de divulgação contundente dos seus malefícios. O que falta ainda? Tirá-lo das padarias, deixar que esse comércio seja feito em casas especializadas e discretas.
Bem, isso pode ser feito para cada produto, sempre de acordo com o que a sociedade deseja. Movimentos nessa direção podem ser verdadeiramente transformadores e produzirem uma sociedade funcional, mais justa, que possibilite até mesmo uma dimensão socialista ou cooperativista. Há espaço aqui para uma política revolucionária.
Por isso afirmo que a economia de mercado não desaparecerá e poderá superar o consumismo em favor dos melhores desígnios humanos.