Há uns quinze anos, escrevi uma série de textos ("Algumas idéias para um país interessante" - Ed. Baraúna) sobre a forte influência dos filmes de violência explícita nas pessoas mais desequilibradas, mas pouca gente levou essa hipótese a sério.
19- PROGRAMAÇÃO INVOLUNTÁRIA PARA A VIOLÊNCIA
Somos escravos
do impulso de observar cenas de incêndios, enchentes, outras tragédias,
violência entre seres humanos com tiros, facadas, torturas, etc, simplesmente
porque o instinto de sobrevivência
exige. O objetivo desse mecanismo é: evitar que também sejamos
aniquilados pelas situações citadas. Instintivamente olhamos para um acidente
grave automobilístico e não conseguimos deixar de olhar, mesmo quando
racionalmente sabemos que as vítimas já foram socorridas e outras providências
foram tomadas, porque o animal que há em nós, quer se certificar de que não há
mais perigo para ele, que a situação já está terminada, ou seja, não pode
progredir a ponto de envolver-nos também. O mesmo se aplica para nossa relação
com cenas de violência na TV, no cinema e na vida real. Excetuando-se pessoas
que conseguem estabelecer uma mediação racional bastante forte entre seus
impulsos nesse campo e a concretização dos mesmos, a maioria das pessoas e
principalmente aquelas que viveram em meio a muitas sensações de perigo
(família desestruturada, ambiente violento, miséria, neurose, etc.),
praticamente não conseguem deixar de
olhar essas cenas. Trata-se de um fenômeno que chamarei de atenção instintiva.
Ora, é fácil
concluir que se se pretender fazer um filme com relativamente poucos recursos e
que dê um bom público, ou com muitos recursos e garantia de bom público, a
receita será colocar muitas cenas de violência (ou catástrofes) e violência a
mais sangrenta possível e, ainda, de preferência contra ou entre seres humanos
e em ambiente realista. A atenção instintiva assim gerada aumentará em muito a
garantia de um bom público.
É sabido que
nossa mente pode ser programada, em muitos aspectos, como se fosse um
computador. No caso do cérebro, para que ele aceite uma programação, é preciso:
1- que a pessoa a queira, 2- que a programação ocorra com base em exposição
prolongada com muita repetição ou com exposição especial, envolvendo estados
alterados de consciência.
Pensemos na violência presente na TV e no cinema. Milhares
de tiros, facadas e torturas várias numa freqüência crescente, são assistidos
todos os dias pelos espectadores. Passados uns dez anos de exposição, e se
pensarmos em crianças e adolescentes em fase de definição de personalidade, é
muito possível que tenha ocorrido uma programação, embora informal, para a
violência sangrenta, para a violência de aniquilação do outro. Porque as cenas
de violência com tiros, facadas e torturas, quebras de pescoço, etc., ao serem
absorvidas pelas pessoas nessa quantidade e freqüência, dia após dia, ficam
gravadas profundamente, além disso, levam a uma habituação a esses atos, que
deixam de ser raros em nossa consciência, surpreendentes, apavorantes, e enfim,
passam a estar na ordem do dia. Aqui vai uma afirmação muito ousada pois ainda
não totalmente demonstrada em laboratórios de Psicologia: a de que uma pessoa
com tamanho repertório audiovisual de violência sangrenta, se for envolvida em
uma situação de conflito com outras pessoas, apresenta muito mais probabilidade
de, no momento de agir, substituir o impulso de socar pelo de atirar,
substituir a idéia de chamar uma autoridade policial pela idéia de matar seu
inimigo, trocar um empurrão do tipo “deixe-me em paz”, por pegar a cabeça do
oponente e golpeá-la na quina de uma mesa. E se estiver dando uma “gravata” no
oponente, por que não completar com aquela torção tão elegante que com
freqüência é mostrada nos filmes, a qual vem sempre acompanhada de um “clic” de
pescoço quebrado?
Acredito que
essa possibilidade aumenta muito mesmo e, se isso for verdade, é possível que
os crimes sangrentos estejam ocorrendo em nossa sociedade numa quantidade
muitíssimo maior do que ocorreriam caso nossa cultura não efetuasse a
programação para a violência já descrita.
Mas uma
programação desse tipo só pode ocorrer se as pessoas participarem intensamente
do processo, em suma, se elas quiserem. Isso quer dizer então que elas querem a
violência sangrenta, uma vez que os filmes de violência dão boas audiências de
TV e boas bilheterias de cinema?
Como vimos no
início, as pessoas não exatamente querem assistir mas são quase que obrigadas a
isso por força dos instintos de sobrevivência e segurança (o fenômeno da
atenção instintiva). Então essas cenas são muito atraentes, então essas cenas
dão lucro, então elas ocorrem com freqüência cada vez maior nas telas, então
nossas mentes ficam cada vez mais impregnadas de alta violência, então ocorre a
programação para a violência, então um número aumentado de pessoas comete atos
graves de violência física. Assim, fecha-se perfeitamente o esquema de
programação neurolingüística involuntária para a alta violência.
Acreditem, foi
sem querer.