domingo, 27 de maio de 2012

Duas escolas!

                                                                   
                                                                       Humberto  Cosentine



Todos os sistemas tendem a se ramificar.  Lojas, por exemplo.  Antigamente, havia somente as que vendiam de tudo.  Aos poucos foram surgindo outras mais e mais especializadas.  Com as profissões ocorre o mesmo.  Antes havia o médico, hoje em dia chegamos a um universo enorme de especialistas.

Enfim, praticamente todos os sistemas tendem à ramificação.  A imagem disso pode ser a de uma árvore, que vai do tronco para os galhos e folhas periféricos.  Talvez essa proposição possa ser suportada pela teoria dos sistemas complexos ou pela dos fractais, porém não estou preparado para estabelecer esse nexo.  Fiquemos, portanto, apenas com as evidências.

Mas o que isso tem a ver com a escola? Vejamos:

Ocorre que dois sistemas humanos fundamentais, a família e a escola, começaram a ramificar mais ou menos na mesma época - a segunda metade do séc. XX.  A família, que foi por muito tempo o melhor arranjo para melhorar a vida e a sobrevivência dos seres humanos, pois proporcionava mais segurança física, melhor alimentação, sexo para o casal, crescimento mais seguro para as crianças, afetividade, etc., entrou em processo de ramificação quando a alimentação fora de casa se tornou mais viável, a mulher começou a buscar sua realização profissional, a proteção física ao indivíduo realizada pelo Estado passou a ser mais eficaz e acessível a todos; ou seja, a família entra em ramificação a partir do ponto em que a sociedade aparece com força nas suas funções típicas. Enquanto isso, a escola, também em processo de ramificação, se desenvolve oferecendo opções como as escolas técnicas, ou as que propõem o aperfeiçoamento de determinadas habilidades, tais como escolas de idiomas, de oratória, de esportes e outras.

Só que as coisas vão ficando complicadas para a escola básica com a simultânea eclosão da ramificação da família.  É que a saída da mulher para trabalhar, além da prevalência da família nuclear sobre a extensa, leva a que a formação inicial das crianças passe a precisar de ajuda externa.  Ora, o sistema naturalmente eleito para isso acaba sendo a escola, pois para ali as crianças afluem crescentemente todos os dias, e os professores (as) são percebidos como as melhores pessoas para realizar esse auxílio.

Por essa coincidência, a sala de aula passa a ser o lugar onde cada vez mais duas coisas complexas acontecem simultaneamente, a saber, a formação inicial da pessoa e o aprendizado de conhecimentos mais específicos e aprofundados.  Vale dizer, deu-se início a uma grande confusão que hoje em dia aparece em formas (e sons!) absolutamente nítidas.  Sim, porque realizar essas duas funções, ao mesmo tempo, ainda mais em salas com 30/40 alunos é simplesmente impossível.  Parafraseando a física, duas atividades muito distintas não podem ocupar o mesmo espaço físico simultaneamente.

O que os melhores professores e as melhores escolas acabam fazendo é “puxar” as práticas escolares mais para a função de formação inicial (Col. Augusto Laranja, Ceu Aricanduva), ou mais para o aprendizado de matérias específicas (Col. Bandeirantes, EMEF Bartolomeu Lourenço de Gusmão).  Mas, trabalhar as duas igualmente, ninguém consegue, e é por isso que nas escolas onde essa impossibilidade mostra-se necessária pelo fato de a maioria de seus alunos ser proveniente de famílias pouco estruturadas, e haver pressão institucional para o aprendizado das “matérias”, caminha-se para uma situação infernal.

Então, o que fazer?  Devolver as mulheres à sua antiga e exclusiva função de criar os filhos, retirando delas o direito à autonomia e realização pessoal?  Claro que não  -  até porque elas não aceitariam, isso sem considerar o fato de que muitas e muitos de nós não sabem bem promover essa formação inicial da pessoa.

Portanto, o único caminho possível (até bem óbvio) é: dividir a escola em duas, uma para a formação básica da pessoa, e outra para o aprendizado de conhecimentos específicos e aprofundados.  Separar, até fisicamente, é necessário porque a maneira de funcionar de cada uma das partes exige instalações totalmente distintas das da outra.

Em linhas gerais, a escola de formação da pessoa ofereceria atividades mais vivenciais e para poucos alunos de cada vez,  voltadas para a aquisição de conhecimentos, habilidades e competências úteis ou significativas para a vida cotidiana.  A segunda escola disponibilizaria cursos em módulos graduais de conhecimentos específicos e aprofundados, que contemplariam interesses de todo tipo de inteligência, ministrados em espaços bem parecidos com os que conhecemos, nos quais os alunos se matriculariam segundo seu interesse.  Provavelmente, o diploma viria da primeira escola, enquanto que os cursos feitos na 2ª funcionariam como enriquecimento do mesmo.

Enfim, consegue-se com esse arranjo otimizar a realização das duas funções referidas, quais sejam, a formação da pessoa e a aquisição de conhecimentos específicos, que, até então, vêm sendo exercidas com resultados indiscutivelmente insuficientes - e em meio a altíssimo stress de professores e alunos -  dentro do atual sistema enlouquecedor e alienante de operação simultânea de ambas. 

Há algum prefeito lendo?