Humberto Cosentine
Todos os
sistemas tendem a se ramificar. Lojas,
por exemplo. Antigamente, havia somente as
que vendiam de tudo. Aos poucos foram
surgindo outras mais e mais especializadas.
Com as profissões ocorre o mesmo.
Antes havia o médico, hoje em dia chegamos a um universo enorme de
especialistas.
Enfim,
praticamente todos os sistemas tendem à ramificação. A imagem disso pode ser a de uma árvore, que
vai do tronco para os galhos e folhas periféricos. Talvez essa proposição possa ser suportada
pela teoria dos sistemas complexos ou pela dos fractais, porém não estou
preparado para estabelecer esse nexo.
Fiquemos, portanto, apenas com as evidências.
Mas o que
isso tem a ver com a escola? Vejamos:
Ocorre que
dois sistemas humanos fundamentais, a família e a escola, começaram a ramificar
mais ou menos na mesma época - a segunda metade do séc. XX. A família, que foi por muito tempo o melhor
arranjo para melhorar a vida e a sobrevivência dos seres humanos, pois
proporcionava mais segurança física, melhor alimentação, sexo para o casal,
crescimento mais seguro para as crianças, afetividade, etc., entrou em processo
de ramificação quando a alimentação fora de casa se tornou mais viável, a
mulher começou a buscar sua realização profissional, a proteção física ao
indivíduo realizada pelo Estado passou a ser mais eficaz e acessível a todos;
ou seja, a família entra em ramificação a partir do ponto em que a sociedade
aparece com força nas suas funções típicas. Enquanto isso, a escola, também em
processo de ramificação, se desenvolve oferecendo opções como as escolas
técnicas, ou as que propõem o aperfeiçoamento de determinadas habilidades, tais
como escolas de idiomas, de oratória, de esportes e outras.
Só que as
coisas vão ficando complicadas para a escola básica com a simultânea eclosão da
ramificação da família. É que a saída da
mulher para trabalhar, além da prevalência da família nuclear sobre a extensa, leva
a que a formação inicial das crianças passe a precisar de ajuda externa. Ora, o sistema naturalmente eleito para isso
acaba sendo a escola, pois para ali as crianças afluem crescentemente todos os
dias, e os professores (as) são percebidos como as melhores pessoas para
realizar esse auxílio.
Por essa
coincidência, a sala de aula passa a ser o lugar onde cada vez mais duas coisas
complexas acontecem simultaneamente, a saber, a formação inicial da pessoa e o
aprendizado de conhecimentos mais específicos e aprofundados. Vale dizer, deu-se início a uma grande
confusão que hoje em dia aparece em formas (e sons!) absolutamente
nítidas. Sim, porque realizar essas duas
funções, ao mesmo tempo, ainda mais em salas com 30/40 alunos é simplesmente
impossível. Parafraseando a física, duas
atividades muito distintas não podem ocupar o mesmo espaço físico simultaneamente.
O que os
melhores professores e as melhores escolas acabam fazendo é “puxar” as práticas
escolares mais para a função de formação inicial (Col. Augusto Laranja, Ceu Aricanduva),
ou mais para o aprendizado de matérias específicas (Col. Bandeirantes, EMEF
Bartolomeu Lourenço de Gusmão). Mas,
trabalhar as duas igualmente, ninguém consegue, e é por isso que nas escolas
onde essa impossibilidade mostra-se necessária pelo fato de a maioria de seus
alunos ser proveniente de famílias pouco estruturadas, e haver pressão
institucional para o aprendizado das “matérias”, caminha-se para uma situação
infernal.
Então, o que
fazer? Devolver as mulheres à sua antiga
e exclusiva função de criar os filhos, retirando delas o direito à autonomia e
realização pessoal? Claro que não - até
porque elas não aceitariam, isso sem considerar o fato de que muitas e muitos de
nós não sabem bem promover essa formação inicial da pessoa.
Portanto, o único caminho possível (até bem óbvio) é: dividir a escola em duas, uma para a formação básica da pessoa, e outra para o aprendizado de conhecimentos específicos e aprofundados. Separar, até fisicamente, é necessário porque a maneira de funcionar de cada uma das partes exige instalações totalmente distintas das da outra.
Em linhas
gerais, a escola de formação da pessoa ofereceria atividades mais vivenciais e
para poucos alunos de cada vez, voltadas
para a aquisição de conhecimentos, habilidades e competências úteis ou
significativas para a vida cotidiana. A
segunda escola disponibilizaria cursos em módulos graduais de conhecimentos
específicos e aprofundados, que contemplariam interesses de todo tipo de
inteligência, ministrados em espaços bem parecidos com os que conhecemos, nos
quais os alunos se matriculariam segundo seu interesse. Provavelmente, o diploma viria da primeira
escola, enquanto que os cursos feitos na 2ª funcionariam como enriquecimento do
mesmo.
Enfim,
consegue-se com esse arranjo otimizar a realização das duas funções referidas,
quais sejam, a formação da pessoa e a aquisição de conhecimentos específicos,
que, até então, vêm sendo exercidas com resultados indiscutivelmente insuficientes
- e em meio a altíssimo stress de professores e alunos - dentro do atual sistema enlouquecedor e
alienante de operação simultânea de ambas.
Há algum
prefeito lendo?